segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Meu pai foi o primeiro amor da minha mãe. Ela só tinha 14 anos. Aos 17, ela resolveu dar pra ele. Em plenos anos 60, já viu né? Minha avó descobriu, ameaçou contar pro meu avô e eles casaram.
Acho que foi a maior merda que minha mãe fez na vida.
Depois de quatro anos, ela engravidou. Meu pai negociou um aborto, mas minha mãe foi irredutível.
Minha irmã nasceu.
Quatro anos depois, a tabelinha falhou e engravidou novamente. Meu pai implorou pra dessa vez fazer o aborto. Mais uma vez minha mãe foi irredutível.
Eu nasci.
Minha mãe queria que meu nome fosse Daniela. Meu pai foi me registrar e colocou um nome que eu absolutamente odeio. Acho que minha relação com ele já começou errada daí.
Meu pai trabalhava em um banco, trocava de carro a cada dois anos, mas a gente vivia em uma casa caindo aos pedaços. Era dinheiro contado pra roupa, comida, lazer. Ele não tava nem aí. Gastava tudo com mulher. Ele dizia “não bebo, não fumo; meu único vício é mulher”.
Pois é. Em todas, eu digo, TODAS as festinhas de aniversário, ele viajava ou saía de casa pra não participar. Até hoje ele não sabe nem a data do meu aniversário, nem quantos anos eu tenho.
A única vez que ele foi me pegar no colégio sem avisar eu estava brincando no parquinho a tia procurou não me encontrou e ele foi embora. Quando ela me achou disse que meu pai tinha estado lá. Eu disse que não, que meu pai nunca iria me pegar. Eu só tinha quatro anos e já sabia como ele era.
Meus pais se separaram quando eu tinha dez anos. Ele se apaixonou perdidamente pela amante. Arrumou as coisas e foi embora. Só foi entrar em contato comigo e com minha irmã depois de um mês. Prometia nos pegar pra passar o Natal com ele e simplesmente sumia. Ficávamos o dia 24 todo, arrumadas, sentadas na sala com a mala pronta. Uma semana depois, ligava como se nada tivesse acontecido. Quando eu estava maior, ia no prédio onde ele morava mas não podia subir. O porteiro interfonava e ele descia pra me receber. Eu não podia entrar na casa dele.
Passamos muito perrengue na vida, tanto financeiro quanto emocional. Estudávamos nas melhores escolas, mas só nós sabíamos o quanto minha mãe ralava pra pagar. Mesmo assim ela fez faculdade e se formou, à custa de muito suor, em Economia. Aos poucos ascendeu profissionalmente e posso dizer com tranqüilidade que vivemos uma vida bastante confortável.

Eu nunca ouvi que sou bonita, inteligente ou qualquer elogio vindo do meu pai. Por conta disso, sou a pessoa sem o mínimo de auto-estima num raio 300 milhões de Km. A vida toda procurei pessoas que confirmassem tudo que eu achava sobre mim. Minhas amizades eram as mais nocivas possíveis. Minhas amigas me humilhavam com requintes de crueldade. Eu deixava porque até eu achava que merecia. É por isso que hoje sou tão anti-social.
Quando as amigas deram lugar aos homens a saga continuou e até ficou pior. Meu primeiro namorado sério (o médico) tinha uma família horrorosa, que me humilhava horrores e eu agüentava calada. Quando meu amor por ele não suportou a barra e eu resolvi terminar, a máscara dele caiu e ele mostrou que era igualzinho a todos da família. Começou a dizer que eu não iria arranjar coisa melhor; que os homens nunca iriam me dar valor; que eu tinha muita sorte porque ele me amava.
Eu concordei e continuei com o relacionamento. Só que não por muito tempo. Preferi ficar só, mesmo achando que ele tinha razão.
Ao longo dos anos, conheci homens maravilhosos. Só que eu sempre dava um jeito de transformá-los em monstros pra poder confirmar dentro de mim que não sou boa suficiente. Homens lindos, legais, ricos (ou tudo isso junto) se apaixonavam. No começo, como eu pensava que não havia sentimento, era eu mesma. Eles se apaixonavam, eu me apaixonava. A kamikaze existente em mim surtava e eu me transformava em uma mulher inconstante, incoerente, obcecada.
Alguns eram sacanas de verdade (algumas vezes eu tinha realmente razão), mas outros...ah, tiveram outros que quando eu olho pra trás vejo o quanto queriam que desse certo. Só que eu não estava preparada...pra ser amada, pra confiar.
Eu, minha mãe e minha irmã viramos um time, um núcleo, uma família. Só podíamos contar com nós mesmas. Mas no meio daquilo tudo, cada uma teve suas próprias dores vindas desse homem e naquele salve-se quem puder, cada uma resolveu curar as feridas da forma que conseguiu.
Minha mãe passou a namorar homens mais sacanas da face da terra. Não bastando a falta de referência paterna, ainda convivi com figuras que até davam medo. Até que ela conheceu meu padrasto e tudo mudou. Aquele que eu chamei de pai, que tirou foto comigo na minha formatura (meu pai nem sabe em que me formei), que me deu meu primeiro abadá do bloco de Ivete no carnaval de Salvador só pra eu curar a dor de um término de namoro. O cara que ma chamava de filha.
O cara que no dia 29 de outubro de 2005, foi morto com uma bala no rosto por um menino de 19 anos que queria roubar um celular. E meu pai foi embora....
Minha irmã casou aos 21 anos. Com um homem que consegue ser pior que meu pai. Ele é ior porque não vai embora como fez meu pai e ainda diz todos os dias que ela é feia, burra, incompetente. Não falo com ele desde os primeiros meses do casamento. E, por causa disso, minha relação com ela mais parece um campo minado. Entre mim e ele, ela preferiu ficar com ele. Por muitos anos não entendia como ela não enxergava o homem que ela chama de marido; hoje, tenho pena por saber que ela procura nele o pai que nunca tivemos.

Lutei muito. Lutei pra acreditar que quando passo na rua, as pessoas olham por me achar bonita. Luto confiar quando Namorado me diz que eu sou o seu grande amor e que me esperou 15 anos até eu me apaixonar por ele. Luto para literalmente me olhar no espelho já que durante muitos anos tinha pavor de ver minha imagem refletida.
Durante muito tempo, se um homem falava de casamento comigo eu pulava fora correndo. Quando sonhava que estava grávida, acordava dizendo que tive um pesadelo. Nunca quis ter filhos pra que eles não passassem tudo que eu passei. Com Namorado, já consigo ver uma criança e sorrir. Ainda tenho crises de ansiedade, mas já me vejo grávida.

Há uns cinco meses nó descobrimos que meu pai está doente. Já separado daquela amante (que tirou tudo dele) mora numa casa caindo aos pedaços, de favor. Pra terminar está com Parkinson e em depressão.
Minha irmã virou as costas. Simplesmente disse que o problema não era dela e que já tinha muitos problemas na vida pra se preocupar com ele.
Descobri que ele tinha um dinheiro no banco, mas não o suficiente. Com ajuda da minha mãe (que é um dos seres humanos mais bondosos que conheço) peguei o dinheiro dele e metade das minhas economias e comprei um apartamento pra ele. Mandei pintar, comprei armário de cozinha, copos, pratos, panelas. Coloquei cortinas nos quartos.
Nunca contei a ele que gastei meu dinheiro. Não quero agradecimentos, palavras de carinho, nada. Pra todos os efeitos o dinheiro dele deu pra tudo isso. Ainda me comprometi a pagar as contas de condomínio, água e luz.
O apartamento está pronto há 3 meses. Ele só esteve lá uma vez. Até agora não tem planos pra se mudar. Vive feito um bicho em um quarto dos fundos de um galpão, tomando refrigerante no café da manhã porque não tem ânimo de preparar nada pra comer. Me dói saber que ele está nessa situação. Não me dói por ser exatamente meu pai e sim, por ser um homem que não tem absolutamente ninguém. Está só.
Ontem foi dia dos pais. Não liguei. Meu pai morreu vítima de um assalto.

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